A Soberania de Deus, o Livre Arbítrio e a Predestinação
Há diferentes formas de interpretação quanto ao assunto “soberania de Deus, livre arbítrio e predestinação”; todas envolvidas em intermináveis polêmicas e acirradas discussões. Todavia, o que a Bíblia realmente ensina sobre o assunto? Neste estudo, veremos, à luz das Escrituras, a relação entre a soberania divina, o livre-arbítrio e a predestinação do homem e a salvação em Cristo.
Is 43.11-13; Ef 1.4,5; Jo 3.16
I. A ONIPOTÊNCIA DE DEUS
1. Deus é Onipotente. Ele tudo pode: “… operando eu, quem impedirá?” (Is 43.13). Em Gênesis, o Senhor afirma de si mesmo: “Eu sou o Deus Todo-Poderoso” (Gn 17.1). O verdadeiro poder pertence ao Altíssimo (Sl 62.11; 1Pe 4.11). Ele é o Criador (Gn 1.1; Jo 1.1-4) e, pela sua força, todas as coisas são preservadas (At 17.25,26; Hb 1.2,3; Sl 104.24). Deus é o Senhor, Todo-Poderoso, que sustenta sua criação através das leis por Ele estabelecidas (At 17.25; Sl 119.90,91).
2. A Onipotência e a vontade de Deus. Os atributos de Deus revelam o seu maravilhoso e irrepreensível caráter. Eles operam a vontade divina em perfeita harmonia e equilíbrio. O amor de Deus, por exemplo, não anula sua justiça e vice-versa. O Eterno jamais se contradiz e nunca entra em desacordo com sua revelação aos homens. O mesmo se pode afirmar da onipotência de Deus e sua vontade. O Senhor é poderoso para fazer tudo o que lhe apraz, todavia, só fará de fato o que está de acordo com sua santa vontade.
Deus pode fazer tudo o que quer, mas não quer fazer tudo que pode. Isso significa que o poder de Deus está sob o controle de sua sábia vontade. Isto é, não há qualquer incoerência entre sua natureza santa e seu poder ilimitado. O Senhor que tudo pode (Jó 42.2), só faz o que lhe agrada (Sl 115.3).
II. A SOBERANIA DE DEUS E O LIVRE ARBÍTRIO HUMANO
Deus, ao criar o homem, proveu-o de livre-arbítrio. Mas… O que é “livre-arbítrio”? É a faculdade mediante a qual o homem é dotado de poder para agir sem coações externas, e de acordo com sua própria vontade ou escolha. Uma vez que o homem fora criado livre, com capacidade de fazer suas próprias escolhas, como conciliar esse direito com a vontade divina? Para responder a esta pergunta, precisamos entender a vontade de Deus sob dois aspectos: ela é permissiva e diretiva.
1. Vontade permissiva e livre arbítrio. Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. O que faz dele um ser moralmente semelhante ao Criador, é justamente a capacidade de fazer suas próprias escolhas; inclusive, aquelas que não estão de acordo com a vontade divina. Isto é o que se entende por vontade permissiva. O Eterno tem poder para impedir que o homem faça o mal ou bem, entretanto, lhe dá o direito de escolha (Gn 2.15-17; 3; 4.7; Dt 30.15-20; Gl 6.7-10). Na vontade permissiva, a soberania e a onipotência de Deus não violam o livre-arbítrio humano. No âmbito da salvação, Deus sabe perfeitamente quem o rejeitará, embora jamais interfira nesta decisão. A vontade de Deus é que todos os homens “se salvem e venham ao conhecimento da verdade” (1Tm 2.11). Todavia, como está patente em Is 1.19,20; Dt 30.19; Js 24.15; 1Tm 1.19; 1Co 10.12, o homem pode rejeitar a salvação.
2. Vontade diretiva e predestinação. A vontade diretiva de Deus opera em conformidade com sua sabedoria e soberania. Ele rege o curso da história, e controla o universo de acordo com seus eternos propósitos (Sl 33.11; At 2.23; Ef 1.4-9). Tudo o que planejou certamente será executado: “Ainda antes que houvesse dia, eu sou; e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; operando eu, quem impedirá?” (Is 43.13). Ler Is 14.26,27.
Absolutamente nada escapa à vontade diretiva de Deus. É nesse ponto que nos deparamos com a doutrina da predestinação. O Eterno, em seu profundo e inigualável amor, predestinou todos os seres humanos à vida eterna. Ninguém foi predestinado ao lago de fogo que, conforme bem acentuou Jesus, fora preparado para o Diabo e seus anjos (Mt 25.41). Mas o fato de o homem ser predestinado à vida eterna não lhe garante essa bem-aventurança. É necessário que creia no Evangelho. Somente assim poderá ser considerado eleito. O homem, em Cristo, é eleito à salvação em razão de sua aceitação a Cristo. Tudo depende de como recebemos o chamamento do Evangelho: quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crê será condenado. Deus predestinou a Igreja para ser “conforme à imagem de seu Filho” (Rm 8.29); para “filhos de adoção em Cristo” (Ef 1.5).
Conforme o comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento. Volume 2. RJ: CPAD, 2017, pp.396,397).
“A eleição é Deus escolhendo ‘em Cristo’ um povo para si mesmo, e a predestinação diz respeito ao que Deus planejou, antecipadamente, fazer com aqueles que foram escolhidos. Dessa forma, a questão da predestinação não significa Deus decidindo antecipadamente quem será salvo ou não, mas decidindo antecipadamente o que os eleitos, em Cristo, sejam ou venham a ser. Deus predestinou como os eleitos (isto é, aqueles que estão sendo salvos em Cristo) deveriam ser: em primeiro lugar, conforme a semelhança de seu Filho (Rm 8.29) e em seguida serem chamados (8.30), justificados (8.30), glorificados (8.30), santos e irrepreensíveis (Ef 1.4), adotados como seus filhos (1.5), redimidos (1.7), para o louvor de sua glória (1.11,12), aqueles que receberiam o Espírito Santo (1.13), destinatários de uma herança (1.14) e serem criados para realizar as boas obras (2.10)” .
Sobre a eleição divina a Declaração de Fé das Assembleia de Deus na página 121 diz:
“Deus elegeu a Igreja desde a eternidade, antes da fundação do mundo, segundo a sua presciência (1Pe 1.2). O Senhor estabeleceu um plano de salvação para toda a humanidade: “em esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos” (Tt 1.2); pois essa é a sua vontade. A nossa eleição vem de Deus: “sabendo, amados irmãos, que a vossa eleição é de Deus” (1 Ts 1.4). Na Igreja de Cristo, judeus e gentios são coerdeiros da salvação em um único corpo”.
A eleição para a salvação é “condicional”, e não “incondicional”. Eleição condicional significa que Deus escolheu por meio das condições que Ele próprio estabeleceu. Por isso, são eleitos somente aqueles que preenchem essas condições. A condição que Deus escolheu para a salvação do pecador é que ele aceite a Cristo como Salvador e Senhor de sua vida, isto é, estar em Cristo (Ef 1.3-7).
III. PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO
1. A predestinação e o livre-arbítrio. A Bíblia enfatiza tanto a doutrina da predestinação divina, quanto o ensinamento do livre-arbítrio humano. Todavia, não encontramos nas Escrituras uma predestinação fatalista, em que uns são destinados à vida eterna e outros, à perdição. Da mesma forma, ela também não ensina uma livre-escolha absoluta, como se a salvação dependesse de obras, esforços ou méritos humanos. Os extremos nesse assunto são muito perigosos e acabam afirmando o que a Palavra de Deus não ensina. Portanto, devemos evitar dois graves erros: enfatizar a soberania divina em detrimento da livre-escolha humana; e enfatizar o livre-arbítrio humano em prejuízo da soberania divina.
A ênfase inconsequente à soberania de Deus leva o indivíduo a crer que sua conduta nada tem a ver com a sua salvação. Enquanto que a ênfase exagerada à livre-vontade do homem conduz a pessoa ao engano de que a salvação é dependente de boa conduta e obras humanas.
2. A obra redentora e a presciência de Deus. Uma interpretação bíblica livre de qualquer preconceito mostrará claramente que Deus predestinou todos os homens à salvação, mediante a obra redentora de Jesus (1Tm 2.4; Is 55.1; Mt 11.28,29; 2Co 6.2). A despeito de Deus conhecer, antecipadamente, os que rejeitarão seu plano salvífico, sua presciência não interfere nem viola o livre-direito de escolha do homem. A predestinação é para os que desejam a salvação em Cristo, conforme lemos em 2Ts 2.13: “elegidos desde o princípio para a salvação”. Isso concorda com o que Paulo escreveu a Timóteo: “Tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles alcancem a salvação” (2Tm 2.10).
Portanto, a predestinação fatalista contradiz dois atributos divinos: a justiça e o amor. Primeiro, porque torce a justiça divina, pois, nesse caso, Deus destinaria as pessoas antes mesmo de seu nascimento à perdição eterna. E segundo, porque põe em dúvida o ilimitado amor de Deus, por ensinar que o Senhor destinou os pecadores ao inferno sem lhes dar o direito e a oportunidade de arrependerem-se.
IV. OBSERVAÇÕES DOUTRINÁRIAS
A Palavra de Deus nunca se contradiz, especialmente a respeito da salvação do homem. Essas doutrinas devem ser analisadas à luz da Bíblia e de forma equilibrada. Vejamos:
1. A segurança salvífica. O crente está seguro quanto a sua salvação enquanto ele permanece em Cristo (Jo 15.1-6). Não há segurança salvífica fora de Jesus e de seu aprisco, como também não há segurança espiritual para alguém que vive em pecado. Jesus guarda o crente do pecado, não no pecado. Lembremos que “mediante a fé” estamos guardados na “virtude de Deus, para a salvação já prestes a se revelar no último tempo” (1Pe 1.5; Rm 1.17). Portanto, o crente deve obedecer a Deus, não para que a sua obediência o salve ou o mantenha salvo, mas como uma expressão da sua salvação, do seu amor e da sua gratidão para com Aquele que o salvou.
2. A predestinação fatalista. Este ensino só considera a soberania de Deus, e não sua graça e justiça (Rm 11.5; 3.21; Tt 2.11). Em Ez 18.23; 33.11 Deus assevera o seu desejo de que o ímpio se converta, e não apenas os “eleitos” e “predestinados” (ver 1Tm 2.4; Jo 3.16). Deus jamais predestinará alguém para o inferno, sem lhe dar oportunidade de salvação. Isso aviltaria a natureza de Deus. Se todos já estão predestinados quanto ao seu destino eterno, então não há lugar para escolha, decisão, ou livre-arbítrio por parte do homem, o que contradiz os textos de Dt 30.16-19; Js 24.15; 1Rs 18.21; Sl 119.30,173; Lc 13.34; Ap 22.17.
Conforme a Declaração de Fé das Assembleia de Deus páginas 110 e 111 a salvação é para todas as pessoas:
“O Evangelho contempla a todos e a ninguém exclui: “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens” (Tt 2.11). Por conseguinte, a salvação está disponível a todos os que creem. Sim, todos nós, sem exceção, podemos ser salvos através dos méritos de Jesus Cristo, pois todos nós fomos criados à imagem de Deus. O Soberano Deus não predestinou incondicionalmente pessoa alguma à condenação eterna, mas, sim, almeja que todos, arrependendo-se, convertam-se de seus maus caminhos (At 17.30). A predestinação genuinamente bíblica diz respeito apenas à salvação, sendo condicionada à fé em Cristo Jesus, estando relacionada à presciência de Deus. Portanto, a predestinação dos salvos é precedida pelo conhecimento prévio de Deus daqueles que, diante do chamamento do Evangelho, recebem a Cristo como o seu Salvador pessoal e perseveram até o fim. A predestinação do crente leva-o a ser conforme a imagem de Cristo; assim sendo, todos somos exortados a perseverar até o fim: “aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mt 24.13). A graça de Deus é manifestada salvadoramente maravilhosa, perfeita; entretanto, não é irresistível, pois não são poucos os que, ignorando o Evangelho de Cristo, resistem ao Espírito da graça. A graça divina tanto salva quanto nos preserva a alma neste mundo corrupto e corruptor. A fé antecede a regeneração: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8); “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (Mc 16.16); “Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10.9).
CONCLUSÃO
As doutrinas da predestinação divina e do livre-arbítrio humano não estão na Bíblia para motivar controvérsias, especulações ou coisas semelhantes, mas para encorajar o crente. Através desses ensinamentos, o Senhor demonstra-nos todo o seu amor, justiça e graça, pois antes que o mundo existisse e o homem fosse criado, Ele já havia previsto todas as dificuldades que encontraríamos em nosso caminho. Seu propósito é mostrar-nos que Ele é poderoso para conduzir-nos a salvo para seu reino celestial (Fp 1.6; 2Tm 4.18; Jd v.24).
BIBLIBIOGRAFIA
HORTON, S. Teologia Sistemática. RJ: CPAD, 1996.